sábado, 6 de fevereiro de 2010

Naquela noite ela estava louca de ciúmes, essa emoção forte e doentia capaz de dominar o mais controlado dos seres humanos. Sentia-se tensa, nervosa, tinha uma vontade enorme de sumir, parecia que ia explodir de tanta tristeza. Sentia-se confusa e ansiava desesperadamente por um diálogo. Era bem verdade que sempre fora uma mulher fechada, reprimida, tímida demais para os tempos atuais, mas isso não significava que não amasse seu marido. Descobrir que estava sendo traída fora um golpe muito forte no seu coração e evidentemente no seu ego, pois sempre se julgara amada e descobrir que tudo não passara de uma mentira.Deixava-a totalmente desnorteada.
Nunca fora uma mulher do tipo carinhosa, talvez seus tabus, que durante anos tentara derrubar, sem sucesso, tivessem contribuído para que se transformasse na mulher recatada e pouco sensual que era. Mas não podia culpar a ninguém por isso, a não ser a si mesma por não ter se esforçado um pouco mais e tivesse mudado, o fato é que as mudanças sempre a assustaram.
Aos 35 anos nunca se sentira assim tão confusa e perdida, sempre se considerara dona de si, segura, forte e decidida. Porém agora percebia que era tudo mentira, na verdade ela era uma mentira, uma mentira inventada para proteger-se , pois sempre vivera enclausurada numa casca que criara em torno de si mesma para proteger-se das dores do mundo e agora a casca quebrara-se deixando-a vulnerável, despida de si mesma. Pois nem ela mesma se reconhecia, naquela imagem de olhos assustados e lábios trêmulos que o espelho refletia.
Naquela noite ela queria apenas uma palavra de consolo, um ombro amigo onde pudesse depositar suas dúvidas, porém foi naquela noite onde ela viu seu coração partir-se em mil pedaços ao ver seus sonhos serem destroçados por uma realidade dura e cruel... Não estava preparada para o impacto violento de tamanha agressividade. Embora a palavra “perdoe-me tenha ficado presa em sua garganta, com os olhos cheios de súplicas implorou uma nova chance de reconquistar o que o tempo e suas atitudes haviam destruído, e viu-se cega, ofuscada pelo próprio egoísmo e quando finalmente abriu os olhos e conseguiu enxergar o que realmente estava fazendo, no que estava realmente se transformando, só pode ver nos de quem tanto amava um profundo desprezo.Num desespero total não conseguia entender e quando ergueu os braços numa súplica muda, implorando um gesto de carinho, um abraço confortador, encontrou apenas olhos frios e acusadores e palavras saídas em tons grosseiros e cruéis, ditos com o intuito de ferir o mais insensível dos seres.
A dor era imensa e entre passos rápidos e incertos saiu nas ruas em busca de algo que aliviasse aquele sentimento de inutilidade, estava cansada.. Estava frio, o vento soprava forte, mas o frio maior era dentro da alma, que parecia vazia. Estava arrasada, seu coração sangrava.. Sentia-se totalmente perdida e desamparada. Palavras ferinas ecoavam em sua mente que parecia se debater numa velocidade absurda onde o ódio, o medo, a dor e angústia fundiam-se numa espécie de terror quase incontrolável...
Estava ofuscada pelas lágrimas que teimavam em deslizar abundantemente por seu rosto. Sentia-se tão frágil! Então como se sentisse toda a extensão da sua dor o céu chorou, como ela também chorava. Os trovões pareciam gemidos como se pedissem conforto assim como seu peito pedia. E ela andou... Andou sobre aquela chuva torrencial numa tentativa de botar pra fora aquela emoção desconhecida e aquela dor que parecia arrebentá-la por dentro. E chorou... Chorou querendo extravasar em lágrimas toda dor que sentia para que aquela chuva lavasse e levasse para bem longe aquele sentimento degradante e toda aquela vida de mentiras e a fizesse uma nova mulher

(Célia Vasconcelos)